Conto: Apague a luz
- Margarete Bretone
- 27 de mai. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de mai. de 2022
Dobrei, uma, duas, várias vezes, até que o papel vermelho estivesse tão pequeno a ponto de não poder mais ser dobrado e quando desamassado nunca deixasse de mostrar as dores nele escrito. Literalmente uma bolinha de papel.
“Deixe seus medos aí”, foi o que me disseram e assim eu preenchi, um a um, tudo o que me provocava um arrepio na base da espinha. Do escuro, do silêncio, da falta dele, da sombra de uma árvore, da mão que me tapou a boca e, assim, o pote de vidro com uma flor estampada na frente estava quase cheio, mas de nada me ajudava.
Materializar o frio que envolvia meu peito nada mais era que uma perda de tempo e, naquele momento simplesmente não consegui pensar em outra coisa a mão ser arremessar aquele papel amassado pra longe e aquilo doeu, mais do que eu poderia imaginar.
A fisgada me obrigou a franzir a testa e lançar um xingamento que chicoteou as paredes. O ombro ainda sentia as consequências dos piores momentos, mas melhorava aos poucos, uma total contradição com o que acontecia com o resto do meu corpo.
Simplesmente não dá para apagar minutos que correm como dias, nem medos que se infiltram na pele como garras que aprisionam.
Mas naquele momento em que a bolinha vermelha rolou pelo quarto, em que o ombro lembrou-me de uma dádiva, a de estar viva, pude entender, e então joguei… cada um, cada famigerado sentimento que me tornava cativa dentro do meu próprio corpo.
Cada pedacinho de papel foi para o alto, para a parede, para debaixo da cama, para dentro da gaveta aberta, fazendo uma dança cujo ritmo não existia.
Cada pedacinho de papel era como o grito que não pude dar, como unhas que não puderam arranhar, como as pernas que, por muito pouco, me salvaram de um algoz que eu ainda desconhecia.
Talvez ele ainda estivesse rondando a casa, olhando sorrateiro através da janela, aguardando o melhor momento, mas não adiantava fugir, sonhar com a falsa segurança de uma porta trancada. Tornar-me prisioneira dos meus medos só me mostrou uma coisa:
Local vazio e escuro somente o cômodo da casa.
E então… levantei, suando frio, mãos trêmulas, passos indecisos e desejei nunca mais voltar.
Só para apagar a luz, aí sim eu voltaria. Ou, talvez, nem isso!

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