Conto: Olhares ardidos
- Margarete Bretone
- 3 de out. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 27 de mai. de 2021
Ele estava encolhido em um canto da sala, mais seguro ficar onde não seria notado.
Estava acostumado com os gritos, os xingamentos, os tabefes que levava vez ou outra, mas naquela casa só ouvia o cochicho dos adultos na cozinha e até o ar parecia mais leve, como a pena que viu caindo do céu balançando de um lado para o outro.
Foi avisado para não sair dali e não estava interessado em infringir aquela ordem. Era um menino obediente, mas mesmo assim acabava fazendo algo errado.
Estranhou que de tempos em tempos um adulto ia até a porta conferir se ele ainda estava lá e a cada rosto que o observava imaginava ser aquele o momento em que seria repreendido. Não conseguia evitar, o dedão se alojava na boca quando estava apreensivo, o que também era motivo para uns chacoalhões. Mamãe não gostava e nem permitia aquela mania cada vez mais presente.
Aqueles adultos eram diferentes. Tinham olhares que ele não reconhecia e que nada lhe diziam.
Antes ele sabia. O olhar de reprovação, o olhar de “saí daqui, moleque” ou o... não sabia dizer com palavras, mas o olhar vidrado, arregalado era o mais apavorante, sentia na pele os efeitos dele. O braço engessado era a prova.
Continuou ali até que uma senhora sentou-se no sofá e bateu com a mão no assento e o estimulou a se aproximar. Ele teve medo, na última vez que sentou-se ao lado de alguém não viu onde a mamãe foi parar.
Ele foi, devagar. Não ligava de ficar no chão, sendo um menino obediente, mas ela lançou aquele olhar que ele queria saber do que se tratava e meio desajeitado sentou ao lado dela, os pés pequenos sem alcançar o chão.
A mulher pegou a mão dele, quentinha, pele macia. Até então só conhecia os toques ardidos.
Viu uma imagem se formar na tv quando ela a ligou e se distraiu com o desenho animado. Observou mais uma vez a mulher e os olhos dela fecharam um tiquinho, linhas se acentuaram e ele desejou entender também aquele olhar, mas não conseguiu. O desenho colorido o distraiu, e mesmo assim ele pensou que aquele era o olhar mais lindo que vira na vida.

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